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Em tempos de estudante, numa aula com o professor António Coimbra de Matos, alguém lhe perguntava se toda a gente devia fazer uma terapia. Ele perentoriamente respondeu que não.
Na altura, discordei logo dele por pensar nos benefícios que a minha terapia pessoal me tinha trazido, mas também por pensar que aquela resposta poderia ter sido mais um devaneio do alto da sua idade em que toda a rebeldia se pode tornar interessante e impactante.
Discordei dele até recentemente. Hoje já concordo. Realmente, penso que nem todos precisamos de fazer uma terapia. Uma coisa é precisar, outra coisa é tirar vantagem disso.
Se nem toda a gente precisa de terapia, por outro lado, todos ganharíamos em fazer este processo. Isto traz-me à memória algumas dúvidas de pacientes que me questionavam, hesitantes, se iriam perder a sua identidade com a terapia. Algo compreensivamente assustador. Dizia-lhes que a transformação da terapia não retirava, mas sim, atribuía. Um processo terapêutico na linha da dinâmica/psicanalítica é um caminho para um maior conhecimento do próprio. Assim, acrescenta e, por ilação, cria alterações do estar advindas desse acrescento, mas nada se perde, tudo se transforma.
Na verdade, este tipo de terapia, ao contrário da consulta médica ou de outras abordagens causa-efeito/doença-remédio, não é taxativo, pragmático ou imediato. Temos a humildade de reconhecer a complexidade significativa que a psique humana tem, logo, trocamos o remédio objetivo pela compreensão subjetiva de forma a desvendar espaços e tempos que se intercruzam e que recriam uma identidade. Desta forma encaramos o fazer terapia mais como um estilo de vida, um estar diferente de outro anterior. Olhamos para dentro e o que está por fora vai ficando diferente. “Ficando” porque a psique é dinâmica e o seu maior território, o Id, espaço da inconsciência, tem um ritmo próprio, como é o bater do coração ou outros processos involuntários dignos de pertencer ao sistema parassimpático do nosso ser. Se os tentarmos empurrar, estes retaliam. Procuramos fazer uma terapia de paz, sem esgrimir forças.
Outra dúvida muito recorrente que nos bate à porta tem a ver com a descrença em como a simples relação poderá criar mudança. Não é um comprimido, não é hipnose, não é indução de algo no corpo. Então, como é que essa ferramenta pode ter eficácia? Em tempos, li uma frase de uma analista que dizia que um comprimido não cura a alma. Se fizermos uma reflexão e olharmos para trás, podemos pensar que, a nível psíquico, nós somos um constructo das primeiras relações que tivemos nos primeiros anos de vida. Mesmo que esses traços possam estar sob nevoeiro, a identidade de cada um é fruto dessas relações. Se a relação nos moldou, é a relação que tem a capacidade reparadora.
A terapia dinâmica/psicanalítica irá tentar recriar uma nova oportunidade de relação primeira/primária de forma a podermos tocar nos alicerces base. Só a relação primária permite isso. Mais nenhum outro método consegue uma mudança estrutural.
Assim, é verdade que nem todos precisamos de terapia, mas todos podemos ganhar uma nova vida com ela.