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Há 90 anos atrás, aquando uma troca de correspondência entre Freud e Einstein com o propósito de ambos pensarem em conjunto sobre uma solução para a paz no mundo, Freud confessou estar desiludido com a humanidade. Depois de dedicar grande parte da sua vida no intento de contribuir para um maior bem-estar psíquico das mulheres e homens, eis que vive uma primeira grande guerra e se encontra às portas de assistir aos novos movimentos que antecipariam a segunda guerra mundial. Por esta altura, em 1932, posições ideológicas estariam a ficar cada vez mais distantes no que toca ao entendimento e ao diálogo e estava crescente a unilateridade de fracções.
Embora que, a uma escala menor, recentemente tivemos a oportunidade de assistir a um movimento semelhante durante a pandemia. Uma cisão de opiniões muito vincada. Algo que recorrentemente também observamos em outras dinâmicas, tais como acontece com a adeptos de equipas de clubes, partidos políticos, religiões e outros mais.
Cisões de menor ou maior amplitude irão sempre desiludir qualquer humano com identidade mais consolidada. Nesta divisão sem cinzentos predomina a falta de perspetiva, a falta de tolerância, a falta de empatia, a falta de paciência, a falta de pensamento secundário, a falta de humanismo… em suma, uma data de faltas, que no fundo se traduzem por um deficitário desenvolvimento identitário e por uma fixação excessiva na identidade de grupo, que peca por não se reduzir apenas à necessária passagem, mas supostamente transitória e temporária etapa do processo de construção identitário.
No processo evolutivo da construção identitária, o estancamento e permanência na identidade de grupo será a bengala que sustenta a incapacidade de progressão no sentido da identidade idiomórfica, que remeteria o indivíduo para uma identidade mais genuína e diferenciada dos demais. Se a identidade de grupo se apresenta como um dos passos do percurso no desenvolvimento identitário, seria esperado numa evolução saudável, em que posteriormente esta desse lugar ao que é denominado por identidade idiomórfica.
Na base deste tropeçar numa identidade menos definida encontram-se vários aspectos, sendo talvez o mais importante, o de uma ambivalência mal conseguida em idade precoce, fruto de um clivado negativo algo significativo e impeditivo de uma visão mais limpa e apetecível da realidade.
Quando as brumas são herdadas será difícil que um processo de confiança no outro seja conseguido, tornando-se a aliança a grupos uma tentação aparentemente mais segura, mas também perigosa para a democracia dos humanos.
Todo o individuo tem fantasmas e quanto maior for a sua abundância, mais difícil será a sua digestão, sendo por vezes utilizado o recurso ao deposito destes em recipientes externos sem que nenhum trabalho terapêutico possa ser exercido. Quando tal acontece desta forma voltamos à perpetuação de um ciclo. À herança relacional. A um fado novamente tocado.
Sabemos também que é em momentos de maior tensão que o pensamento elaborado/secundário cede para o pensamento primário, compreendendo-se a tentação da adesão a esta aliança securizante numa massa partidária que adopta uma posição de extrema convicção. O pensamento primário não tem cinzentos e o pensamento elaborado é atirado ao charco.
Face a este funcionamento humano em momentos de “cólera”, torna-se difícil acreditar na inversão do destino quando estes aspectos se apresentam profundamente enraizados, muitas vezes inacessíveis a uma consciência capaz de os ir trabalhando. Contudo, será inevitável não mantermos a crença de que o futuro da humanidade possa ser mais balanceado. De que a humanidade tem evoluído no sentido de questionar o seu próprio pragmatismo.