Uma fragilidade insustentável

“Errar é humano, Perdoar é divino.” Esta frase nunca me fez tanto sentido como hoje.  Encaro este carácter de divindade como a superação daquilo que até certo ponto se julgava ser o limite do aceitável. Quando há uma espécie de metamorfose que nos desloca de um egocentramento e percebe que há uma guerra por amendoins.

Embora o Ser humano seja um animal bastante desenvolvido em termos de estruturas psíquicas, essa progressão ainda contem muitos bugs. Sabemo-nos diferentes de outros animais porque a construção da nossa instância superégoica nos permite julgar e a construção do nosso ego permite-nos organizar e clarificar. Somos o único animal capaz de julgar. Esse aspeto tanto nos faz evoluir como nos pode descaracterizar de toda a nossa conquista humanitária. Quando o que é dado como adquirido como certo é colocado em causa ou quando existem vivências de momentos de aperto, como com guerras ou pandemias, o julgamento por vezes é cego e a propaganda de lavagem cerebral faz-nos “jogar pelo seguro” numa higiene severa do extremo do “mal”.

“Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem” (Lucas 23:34). Por vezes não sabemos o que fazemos. Nascemos rodeados numa norma que normaliza e que credita o que sentimos e fazemos. Fazemos e afirmamos com toda a validação de grupo, por isso está correto. É inquestionável e irrefletido. É um dado adquirido. A validação de grupo tem tanto de bom como de perigoso, mas sobretudo pode contribuir para a ampliação de uma verdade cega e unipolarizada.

A “União faz a força”. É verdade. Mas que força é esse e contra o quê? Sabemos que em muitos casos são feridas narcisicas que se fazem mover em matilha para dar corpo a pedaços de identidade estilhaçada.

Fruto dessas forças sociais que afetam as parentalidades de determinado contexto, em domínio de inconsciente coletivo, ir-se-ão nutrir de crenças e de dinamismo escondidos as novas gerações que, mais tarde ou mais cedo, se irão identificar com todas as imago parentais nelas depositadas e tudo se recicla e renova numa nova norma normalizadora.

A história é escrita pelos vencedores. A minoria derrotada estará errada. É a seleção natural em ação. Não quer dizer que a minoria esteja errada, mas que por não ser dominante é julgada como tal.

É difícil contradizer convicções tão fortemente validadas. Principalmente, quando estas estão a reforçar falhas narcisistas graves e dai poderem ser estruturantes para a identidade do indivíduo. A ameaça de uma casa desabar é insustentável.

A realidade do outro perde o seu peso na balança da decisão. O mecanismo da dissociação possibilita uma ausência de consciência sobre o sentir do outro, permitindo uma fuga fugaz a uma insustentável ferida aberta. No limite, sabendo nós que não existe uma verdade universal, seria o sofrimento de outro a fronteira de uma possível atuação de afetação. Quando o mecanismo de dissociação está investido, essa linha esvaísse e perdemos o que há de melhor há em nós.

Estes imagos parentais não são mais do que a permanência interna de tipos de dinâmicas relacionais que os nossos pais tiveram connosco em tenra idade e que por estarem inconscientes, têm afetação no presente do indivíduo, podendo ser reproduzidos em relações de proximidade com outros novos recipientes. Estes imagos parentais são um outro tipo de herança, que não a financeira, que todos os filhos herdam e que vai contribuir para a definição da qualidade da polaridade das diversas patologias do sujeito. Essa mesma especificidade de diversidade de polarizações, que por si só já cria auto-convicções no indivíduo, irá procurar alianças para lhes dar mais estofo e concretude. Estas crenças ficam inamovíveis. Ficamos reduzidos a um partido. Afastamo-nos na nossa humanidade. Nunca como hoje foi tão fácil nos aliarmos a grupos, sermos hiper estimulados, deixando a nossa reflexão pessoal cair para canto.

Precisamos de partir os grupos em cacos de pessoa; de ousarmos sermos extraterrestres em relação à conduta normativa do que se é correto ser; de desligar o ritmo das turbinas e planar para sentir.

Temos de lutar pela preservação da nossa especificidade individual para que o nosso humano se torne um pouco mais divino.

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