“Trauma de abandono” é uma das músicas do novo disco da Carolina Deslandes que me captou a atenção pelo nome. Este é um disco no qual, em tom autobiográfico, a Carolina canta sobre algo precioso: a sua vulnerabilidade. Corajosa, faz da sua narrativa um poema de alguém que sabe olhar para dentro – o tão importante insight – e que revê cada passo que deu como consequência de uma história aparentemente integrada e compreendida.
Independentemente do gosto musical, a música e os poemas têm, muitas vezes, a capacidade de fazer ecoar para fora o que nos grita por dentro. Esta música podia facilmente ser a materialização da história de tantos que, diariamente, expõem a sua vulnerabilidade no processo terapêutico e a sentem por mim acolhida. Podia ser a banda sonora de tantas vidas (des)iguais.
A Carolina fala sobre alguém que cresceu na ausência de um pai, com relações primárias de vinculação insegura que se traduziram, mais tarde, em escolhas que reforçavam esse padrão de vinculação, no Amor que (des)conhece; consigo própria e na relação com o outro. O mesmo Amor que confessa procurar incessantemente, ao mesmo tempo que dele se vai desviando, pelas escolhas ou pelo medo, por vezes, sem que se dê conta.
Demonstra maturidade emocional em cada palavra, e uma capacidade de fazer aquilo que todos nós já dissemos em alguma altura da nossa vida: aprender a viver com o que nos magoa. E aprender a viver com isso não significa, necessariamente, integrá-lo de forma adaptativa. Munimo-nos de estratégias compensatórias e aprendemos a rir do que nos faz chorar… Quando fazer piadas e rir sobre o que nos dói é a única forma de sobreviver às nossas emoções, esse mecanismo de defesa que tem tanto de maduro como de contraditório. E assim vamos avançando. Outras vezes, ficamos no mesmo lugar ou voltamos atrás. Sempre que disso não haja consciência, o ciclo repete-se.
Compensamos a fragilidade na confiança e na assertividade que adormecem, ainda que por momentos, a insegurança. Não raras vezes, a vida troca-nos as voltas e lembra-nos do que sentimos em forma de sintoma: surge a ansiedade. Algo que nos inquieta e atormenta, um estado de alerta constante que sinaliza a eminência de um perigo, o medo flagrante, a sensação de perda de controlo – dos outros, de nós e do mundo – que corrói os nossos dias e nos tira o sono. No dia seguinte, acordamos e, por vezes, encontramos a coragem e vontade de viver nos sonhos e no futuro que queremos construir… Mas, e quando não há ninguém que acredite e nos diga “vai que eu estou contigo”? Será que existe forma de encontrar espaço na insegurança para acreditarmos em nós, quando não temos quem nos ampare no voo, e nos garanta que estamos seguros na queda?
A Carolina tem Trauma de Abandono e, como tantos de nós, acaba por projetar a necessidade do amor que nunca chegou a ter para aquele que dá aos filhos. Vive as relações com medo de que o outro se vá embora. É sempre assim; o medo e o amor crescem de mãos dadas, tanto mais para quem vive um trauma de abandono. No entanto, consciente de que não escolheu o que a fez escolher, mas pode escolher, no futuro, o que faz com isso, a história da Carolina pode ser a tua. Sempre que escolhas também o caminho de olhar para dentro e, com isso, encontres espaço para compreender e ressignificar a narrativa da tua própria história.