Breve Nota sobre a Vulnerabilidade Depressiva: As suas Raízes na Infância

O fenómeno central na origem da patologia depressiva reside, frequentemente, na perda afetiva vivida durante a infância e no sofrimento psíquico que essa ferida acarreta. Isto significa que as relações afetivas e significativas estabelecidas pelo sujeito depressivo na infância foram, de algum modo, insuficientes face às suas necessidades emocionais. Dessa insuficiência resulta um estado de vulnerabilidade depressiva, que tende a ser transportado ao longo da vida.

 

Essas relações com figuras significativas, por múltiplos motivos, mostraram-se disfuncionais ou empobrecidas, não permitindo um desenvolvimento emocional harmonioso. Como consequência desse ambiente relacional deficitário, o indivíduo pode estruturar uma personalidade depressiva, tornando-se mais suscetível ao desenvolvimento de quadros depressivos clínicos.

 

O sujeito depressivo costuma relatar uma sensação persistente de falta, embora nem sempre consiga nomear o que lhe falta. Muitos pacientes expressam: “Sabe? Parece que me falta alguma coisa, mas não sei explicar o quê.” A resposta, frequentemente implícita, é: “Ser amado. O afeto das relações primárias.” O sujeito pode ter alcançado muitos aspetos desejados na vida, mas sente que não recebeu o amor fundamental, não se sentiu verdadeiramente amado — e é dessa carência que nasce o sofrimento depressivo.

 

A relação do depressivo com o outro tende a ser assimétrica. Como se observa na prática clínica, o depressivo sente-se constantemente a dar mais afeto do que recebe, vivendo numa espécie de “economia depressiva”, marcada pela perceção de uma perda afetiva contínua.

 

Do ponto de vista do desenvolvimento, só é possível gostar de alguém se se foi gostado e se se gosta de si próprio. Em termos mais profundos, a capacidade de amar está diretamente ligada ao sentimento de ter sido amado. Quando a criança é olhada e admirada, o seu narcisismo pode desenvolver-se de forma saudável, sustentado pelo olhar validante da figura materna (ou de quem a substitua).

A ausência desse amor primordial pode gerar raiva narcísica, frequentemente reprimida ou dirigida contra si mesmo.

O antídoto para essa ferida é a existência de relações que promovam proximidade e ofereçam um “alimento afetivo” suficiente e reparador.

 

O sujeito que estrutura uma personalidade depressiva na infância encontra-se em maior risco de desenvolver depressão na vida adulta, pois as experiências de frustração — inevitáveis ao longo do percurso vital — reverberam de forma intensa sobre uma estrutura emocional já fragilizada. Assim, as relações adultas (familiares, amorosas, profissionais, de amizade) acabam por refletir o modelo relacional interiorizado na infância. O sujeito depressivo tende a reagir às perdas afetivas com episódios depressivos. Incluem-se aqui não só as perdas afetivas, mas também as perdas narcísicas, como as resultantes de sentimentos de insucesso, perda de poder ou de direitos próprios.

Quando essa vulnerabilidade depressiva não está presente na personalidade, o sujeito reage às perdas com aquilo que se designa por depressão normal, pela qual todos já passámos.

 

Qual é, então, a diferença entre uma depressão dita normal e uma depressão clínica?

A depressão normal é uma reação à perda ou àquilo que é sentido como tal. Caracteriza-se por tristeza, desânimo, perda de interesse, inibição e diminuição da capacidade de amar. Estes estados internos acompanham, por exemplo, o processo de luto. O luto é uma reação normal à perda, seguida de uma fase transitória e necessária de readaptação e de novos investimentos emocionais (nas pessoas, na realidade, nas relações).

 

É importante salientar que as sociedades contemporâneas tendem a rejeitar a tristeza, o que contribui para a prevalência de lutos inacabados. Há uma dificuldade generalizada em lidar com a morte e o envelhecimento, bem como a imposição do mito da juventude eterna e da beleza. Estas pressões sociais dificultam a adaptação saudável à perda ao longo do ciclo de vida.

 

Na depressão clínica ou patológica, os sintomas podem ser semelhantes aos da depressão normal, mas apresentam maior intensidade, duração e invasividade, perturbando de forma significativa o funcionamento mental. O humor é dominado por sentimentos de abatimento (mais do que a tristeza típica do luto), desânimo, desilusão e desesperança. Observa-se uma diminuição acentuada da energia psíquica e vital, da líbido, da motivação e do interesse pelo real. Há uma sensação persistente de impotência, incapacidade, pessimismo e medo do futuro.

A autoimagem do sujeito centra-se em sentimentos de inadequação, inutilidade e baixa autoestima. Frequentemente, o indivíduo critica-se, acusa-se ou desvaloriza-se. São comuns sentimentos de inferioridade e insuficiência, acompanhados de uma grande disparidade entre a autoimagem percebida como real e a imagem idealizada do próprio, bem como uma tendência para idealizar o outro e desvalorizar-se a si mesmo. Predominam ainda sentimentos de culpa, melancolia e uma agressividade fortemente dirigida contra si próprio.

 

No plano dos traços de personalidade, o adulto depressivo tende a ser submisso, conformista e hiper-adaptado, frequentemente abdicando dos próprios interesses em favor da vontade do outro. Apesar de poder apresentar crises de irritação, estas são geralmente pouco persistentes. Observa-se uma forte repressão da combatividade e da capacidade de lutar pela concretização dos próprios desejos.

 

A psicoterapia psicanalítica de longa duração está indicada para o tratamento da depressão clínica. A presença sensível, acolhedora e segura do terapeuta possibilita a “transfusão afetiva” necessária para que ocorra uma reparação narcísica no paciente depressivo. Este processo terapêutico favorece a reconstrução de uma autoestima mais sólida, a elaboração das experiências precoces de perda e a abertura para novas formas de relação consigo mesmo e com o outro, promovendo, assim, maior equilíbrio emocional e uma vida psíquica mais integrada.

 

 

Matos, Coimbra ( 2007). A Depressão. Climepsi Editores

 

Campos, Rui (2009). Depressivos somos Nós. Almedina Editores

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