Por que isso aconteceu comigo? Esta é a pergunta que as pessoas costumam fazer diante das adversidades. Uma doença grave, a perda de um ente querido, a vivência de um trauma, um relacionamento que chega ao fim. Por vezes, o que nos resta é aceitar o fato de que não temos total controlo sobre o que nos acontece.
Viktor Frankl fala em transformar uma tragédia em um triunfo pessoal como o modo de dar sentido a um acontecimento adverso. O neurologista e psiquiatra austríaco fala com a autoridade de quem sobreviveu a campos de concentração e fundou a Terceira Escola de Psicoterapia de Viena, após Sigmund Freud and Alfred Adler, com quem teve a oportunidade de trocar impressões.
Para Viktor Frankl, desespero pode ser definido como o sofrimento sem sentido. Sem encontrar sentido, não temos pelo que viver. Essa ideia leva-me a pensar na teoria do desvalimento, do psicanalista David Maldavsky, que fala no quão aterrador é o sentimento de vazio, sentimento de não ser. Tal teoria, que partilha semelhanças com a Escola de Psicossomática de Pierre Marty, aponta a dificuldade de qualificar os afetos e a incapacidade de simbolizar como explicação para tal sentimento.
A teoria psicanalítica do trauma mostra-nos, através de estudos de diversos autores, que é necessário mudar a representação dos acontecimentos. E, sobre a tragédia ser transformada em triunfo, também temos a afirmação do psicanalista Boris Cyrulnik (2009, p. 37):
“O trauma destrói, é sua definição. E a resiliência, que permite recomeçar a viver, associa o sofrimento ao prazer de triunfar sobre ele. Curiosa dupla!”
Boris Cyrulnik também foi afetado pela guerra e, assim como Viktor Frankl, transformou sua experiência em combustível para as suas realizações. Conhecido como o pai da resiliência, o psicanalista fala da capacidade que algumas pessoas têm de “voltar à vida”. Cyrulnik aponta alguns fatores que contribuem para formar um resiliente, destacando os contextos social e cultural e a capacidade de expressar o trauma. Quanto à expressão, menciona a arte, o desporto e a psicoterapia.
A expressão do trauma visa trabalhar a representação do acontecimento. A representação diz respeito ao modo como interpretamos, sentimos e relatamos o que nos aconteceu. Podemos pensar na expressão como o meio de dar sentido ao acontecimento, assim como o meio escolhido de expressão pode dar sentido à vida. Frida Kahlo disse “Pinto a minha própria realidade”. Boris Cyrulnik dedicou a vida a ajudar crianças em situação de vulnerabilidade, sobretudo em áreas de conflito. Viktor Frankl desenvolveu a Logoterapia, uma abordagem terapêutica centrada no significado, enraizada em três conceitos filosóficos e psicológicos: a liberdade da vontade, a vontade de sentido e o sentido da vida.
Quando Viktor Frankl fala em liberdade, reconhece que não temos controlo das circunstâncias, que a nossa liberdade é limitada. No entanto, temos a liberdade de enfrentar as situações e de decidir como reagimos a elas.
“Se não pudermos mudar a situação, ainda nos resta a liberdade de mudar a nossa atitude frente a essa situação” (Viktor Frankl).
Muito do que acontece no setting terapêutico visa uma mudança de atitude, uma mudança no modo como as circunstâncias da vida são interpretadas e sentidas. Dar sentido a um acontecimento é necessário para encontrar o sentido da vida. É realmente distante a ideia de conseguirmos responder de modo objetivo à pergunta “Pelo que estamos vivendo?”, mas encontrar objetivos, encontrar um meio de sublimar a dor pode dar sentido à vida.
Nota: Após a conclusão deste texto, deparei-me com uma interação sobre luto. Fernando Conrado (2024) responde a uma pessoa que diz questionar a vida após a morte do irmão:
“É na morte do outro que enxergamos nossa própria vida. E na morte de quem se ama perdemos a ilusão da imortalidade. Por mais contraditório que possa parecer, é dessa forma que o sofrimento se torna uma das formas de enxergarmos o sentido da vida”.
Cyrulnik, B. (2009). Autobiografia de um Espantalho: Histórias de Resiliência: o retorno à vida.Tradução por Claudia Berliner. São Paulo: Martins Fontes.
Frankl, V.(s.d.). Entrevista sobre o sentido da vida.