“Antes que o Café Arrefeça” – O Salto de Fé na Relação com o Outro

“The worst form of regret is the one born
from unspoken words and missed opportunities,
echoing the untold stories of what could have been.”
― Monika Ajay Kaul


O fenómeno literário japonês “Antes que o Café Arrefeça” retrata um pequeno café, escondido num pequeno beco da cidade de Tóquio, com mais de cem anos, onde, se nos sentarmos no lugar certo, uma chávena de café bem quente pode oferecer-nos mais do que a dose normal de cafeína encontrada num expresso: a hipótese de voltar ao passado. Nesta viagem, nada do que se faça poderá alterar o presente; algo que, aliado a outras regras, demove muitos dos seus visitantes de a realizar, que, talvez um pouco frustrados, acabam por se resignar, apenas, com uma boa chávena de café.


É comum, tal como Fumiko, Kohtake e Hirai, pensarmos como seriam as nossas vidas se pudéssemos voltar ao passado e dizer, ou fazer, algo diferente em determinada situação. Claro, naturalmente, pensamo-lo em relação a inúmeras situações, no entanto, talvez as mais marcantes sejam aquelas que, dada a oportunidade, nos fariam sentar na cadeira da mulher do vestido branco no Café Funiculi Funicula e beber uma chávena de café que nos levaria de volta no tempo.


Não é de espantar, então, que muitas das situações que nos levariam a voltar ao passado sejam situações de relações interpessoais, situações com irmãos, amigos, pais, namorados… é com o outro que encontramos os nossos maiores arrependimentos; seja através do que não foi dito, seja através do que não foi feito, por medo da rejeição, por incapacidade de ver o outro lado, ou por não compreendermos a extensão das nossas emoções e o significado por detrás delas.


Temos medo de perder o amor das nossas pessoas, medo de que não nos aceitem como somos, e, portanto, tendemos a colocar uma máscara que se encaixe nos moldes que, presumimos, o outro criou para nós, sem questionar se esses moldes existirão mesmo. Confrontarmo-nos com o nosso passado, nesse café, seria sair da caixa em que achámos que o outro queria que nos inseríssemos, arriscar sairmos magoados ao mostrarmos o nosso lado mais vulnerável; seria um salto de fé no outro, na sua capacidade de nos amar, mesmo quando podemos não corresponder à imagem criada de nós, sem a consequência de que isso, realmente, altere a relação que temos com ele. Seria um salto de fé voltar atrás e dizer/fazer o que não foi dito/feito, mas seria um salto de fé inconsequente, falso, até, pois teríamos o conforto de saber que, correndo bem ou mal, nada iria mudar com a pessoa no presente; ela provavelmente nem teria memória da interação. Seria um bálsamo para as nossas angústias, um acalmar dos “e se” que nos assombram quando pensamos nelas, mas seria inconsequente para as nossas relações no tempo real, seria mantido o padrão, o mesmo rumo, sem qualquer real resolução.


A cadeira da mulher do vestido branco serve de paralelo à nossa mente e aos inúmeros cenários que construímos nela, em que as interações são repetidas, desta vez, de acordo com o guião que escrevemos, em que dizemos o que ficou por dizer e fazemos o que ficou por fazer, em que nós vemos outros ângulos, outras perspetivas, e, por vezes, se o guião for o correto, mudamos a maneira como vemos o mundo do outro. Viajamos até ao passado, e até ao futuro, inúmeras vezes nas nossas mentes, através destas reencenações de interações que tivemos ou que gostaríamos de ter, sempre sem mudar o presente, apenas podendo mudar- nos a nós mesmos. O maior desafio, no entanto, é poder retomar estas interações no mundo externo e mudar não só a nossa pessoa, mas, também, a nossa dinâmica com o outro e, quiçá, até um bocadinho do outro.


Tal como no livro, dizermos o que ficou por dizer pode ajudar a sarar feridas que, até ao momento, se encontravam abertas e sangrentas. Não é possível entrarmos numa máquina do tempo e voltar ao passado, não é possível falarmos ou agirmos sem que ocorram consequências… contudo, é possível dizermos o que nos atormenta, mostrar a nossa vulnerabilidade… dar aquele salto de fé, que transforma as nossas relações interpessoais em algo, verdadeiramente, bonito, que nos permite ligar ao outro na nossa mais plena autenticidade e ter relações que nutrem e energizam, que nos leva a confiar no outro para ser a rede por baixo do trapezista, que ampara, acolhe e segura.


Afinal, estar com o outro é permitir-lhe que entre em nós, que conheça o nosso mundo interno e que descubra o que nos faz sentir tristes, felizes, vivos. Só assim poderemos, realmente, estar com o outro em autenticidade. O desgosto e a dor são riscos deste salto de fé, sim, mas a recompensa de um laço fortalecido, de um apoio no meio da tempestade, sem o arrependimento dos “e se” … diria que essa recompensa supera, de longe, os riscos. É com conversas desconfortáveis, limites, risos, desabafos, partilha, entre tantas outras coisas, que desenvolvemos relações ricas, com o fácil e o difícil da relação. As conversas que voltaríamos atrás no tempo para ter… essas são as conversas importantes para que as nossas relações evoluam, para que floresçam. Não precisamos do lugar da mulher do vestido branco se formos autênticos – e honestos – não só connosco próprios, mas, também, com as nossas pessoas… o lugar da mulher do vestido branco é onde estamos no momento. Só no presente podemos, realmente, mudar as nossas dinâmicas, por isso, sentemo-nos na cadeira que nos levaria ao passado e façamos a mudança no aqui e agora, sejamos a mudança que gostaríamos de ter sido naquele momento para o qual gostaríamos de voltar, não fiquemos presos aos que poderia ter sido, mas sim ao que ainda poderá ser. É essa a magia do presente: podemos mudá-lo.

“It takes courage to say what has to be said.”
― Toshikazu Kawaguchi

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