“A Mãe Suficientemente Boa” – Um Breve Olhar sobre o conceito de Winnicott

Em 1949, o pediatra e psicanalista inglês Donald Winnicott desenvolveu o conceito de “mãe suficientemente boa”, que contrasta com a ideia que muitas mulheres equivocamente  transportam dentro de si, de terem que ser mães perfeitas. Winnicott na sua teoria da “mãe suficientemente boa” não tencionava diminuir a complexidade da maternidade, mas sim salientar que a qualidade materna existe na medida das necessidades do bebé e não das necessidades da própria mãe de ser muito boa, perfeita ou infalível.

A “mãe suficientemente boa” é aquela que está atenta e responde no momento oportuno às necessidades de amparo e cuidado do bebé, mas não de forma excessiva. Ela também falha, e é justamente o somatório das falhas, seguido do tipo de cuidados que as corrigem, que acabam por comunicar amor à criança, ajudando-a a constituir-se psiquicamente.

A “mãe suficientemente boa” encara a maternidade como um encontro entre duas pessoas diferentes, que se vão conhecendo e partilhando emoções, momentos bons e maus, desfrutando de forma genuína e com prazer desse laço único e forte. Ela apresenta o mundo ao bebé como um lugar benigno e esperançoso, sendo também capaz de se ir tornando “desnecessária” à medida que o filho/filha vai crescendo e desenvolvendo, tornando-se um “ser” por si só.

Não existem receitas rígidas, nem guiões infalíveis para a capacidade de ser uma boa mãe, mas numa tentativa de sistematização, deixo neste artigo um breve sumário dos elementos constitutivos de uma boa capacidade materna (capacidade materna madura), no registo que o autor defendia.

1.    Uma “mãe suficientemente boa” é capaz de fantasiar o seu bebé.  Mesmo antes do seu nascimento, é importante ser capaz de o imaginar, de ter ideias a seu respeito, de sonhar para ele coisas boas e belas. Esta capacidade de imaginar permite-lhe identificar-se com o bebé, percebendo-o, interpretando correctamente os sinais que lhe dirige e respondendo-lhe de forma adaptada, no momento certo.  É a capacidade de imaginar que lhe permite ser permeável ao filho, que passa a fazer parte integrante da sua vida mental.

2.      Desejavelmente, é capaz de alguma tranquilidade (não é demasiado ansiosa). É importante ter em conta que, por muito bom que o filho seja, nunca é perfeito. Por isso é desejável que a mãe possa tolerar, sem excesso de sofrimento para si própria, as desilusões, as frustrações, os sentimentos de incapacidade e mesmo o sentimento de desvalorização pessoal que a prestação de cuidados maternos, tantas vezes, acarreta. Se é muito ansiosa, as pequenas coisas tornam-se grandes. Um peso excessivo que gera angústia, onde deveria existir bem-estar.

3.    A mãe com boas qualidades maternas, desejavelmente, sente um prazer autêntico no contacto com o filho. É esperado que possa sentir o desempenho da função materna como um aspecto que passou a fazer parte da sua identidade, qualquer coisa que veio enriquecer a sua vida e à qual não quereria renunciar.

4.    O prazer proporcionado por esta relação tem de ser de boa qualidade e não estar instrumentalizado à resolução de problemas pessoais. Isto significa que a mãe, desejavelmente, não deveria precisar de utilizar a relação com a criança para tentar defender-se de carências, depressões ou ansiedades que não consegue ultrapassar de outra forma. Se existe uma carência profunda de base, um vazio, que a mãe irá tentar reparar através da maternidade, há um risco de que as coisas não venham a correr bem.

5.  Em relação com os aspetos anteriormente mencionados, a mãe suficientemente boa, é capaz de percecionar claramente o filho como uma pessoa autónoma, com direitos próprios – mesmo que seja um bebé – e não como qualquer coisa que lhe pertence sem reservas, como uma parte de si mesma que lhe é necessária para se sentir completa. Nos primeiros tempos de vida, aceitará espontaneamente a contribuição pessoal que, ao seu nível, a criança pequena já vai sendo capaz de dar na relação entre ambos. Mais tarde, não terá a tentação de a culpabilizar de ser ingrata por não querer corresponder inteiramente ao que para ela tinha sido imaginado. Não ficará triste por ver que o filho não é uma parte de si própria. Ficará contente por ver que ele é uma pessoa livre, capaz de responsabilidade e autonomia.

6.  Se assim for, as progressivas conquistas próprias do processo de separação-individuação serão percepcionadas como belas, a mãe terá prazer de as assistir e apoiar. É importante referir que “a mãe suficientemente boa” não tenderá a sentir-se incompreendida, à medida que vai sentindo o filho menos dependente e mais capaz de resolver problemas por si próprio. A mãe vai aceitando a sua autonomia progressiva nas tarefas diárias, bem como respeitando a emergência da sua intimidade/ construção de uma vida interior.

7.      A “mãe suficientemente boa” introduz o pai. O pai tem um papel importante a desempenhar para a boa evolução da criança. Deve ter uma presença junto dela desde os primeiros anos de vida e participar, à sua maneira, nos cuidados que lhe são prestados e na vivência das preocupações que possam surgir. Um dos elementos dinâmicos de especial importância, é a sua presença na imaginação e no afecto da mulher de quem teve o filho.  Não é exagero dizer-se que, a primeira presença que o pai tem junto do recém-nascido, é a que tem no afecto da mãe. O que nos permite compreender que um pai fisicamente ausente, pode ter uma presença afectiva muito forte junto do filho, do mesmo modo que um pai fisicamente presente, pode revelar-se psiquicamente pouco atuante, porque, por qualquer razão, a mãe o afasta afectivamente. A maternidade deve assim nascer de um desejo e de um projecto vivido e assumido em comum, em prol da boa evolução psicológica da criança.

8.      Por último, é desejável que algum tempo após o nascimento do filho, e sem perder o desejo e o prazer de contacto com o mesmo, a boa mãe volte a interessa-se autenticamente pela relação com o cônjuge, pelas outras relações sociais, bem como pelas suas actividades profissionais e culturais, sem excessiva culpabilidade em relação à criança. Ela sabe e sente que é mãe, mas que este papel não é único; daí ser importante não prescindir de outros aspetos da sua vida que a tornam mais harmoniosa e rica. O alcance deste equilíbrio será bom para ela e para a criança.

Naturalmente estes elementos poderiam ser sistematizados de outro modo, e poderiam ainda ser acrescentados outros. O mais importante é o resultado final do conjunto, uma vez que situações perfeitas (como já indicado) não se encontram na vida real. Importante é referir que, se a mãe reúne este conjunto de qualidades, é indicativo do alcance de uma certa maturidade emocional. É esta maturidade que tonará possível (à mãe) alegrar-se autenticamente com os vários progressos que observa no filho, reconhecendo-os como uma conquista dele e uma manifestação de qualidades internas que lhe pertencem. 


Imagem:

Pintura de Mary Stevenson Cassatt ( 1896-1898). Under the Horse – Chesnut Tree.

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