Em época de férias, parece estranho falar em saudade, tema característico da cultura portuguesa, manifestamente expressado pelo nosso Fado. No entanto, mesmo nas férias, parece ser um sentimento sempre presente; seja a saudade que fica, quando voltamos ao trabalho, daqueles dias sem despertador e sem o peso do dia-a-dia monótono em que acabamos por cair durante os meses de trabalho, seja aquela que vem, de repente, e sem aviso, da pessoa que outrora fomos.
E se, durante o ano, estamos demasiado ocupados nas nossas rotinas, nas nossas vidas atarefadas e numa velocidade estonteante, que, ao final do dia, parece trazer-nos a sensação de não sabermos para onde foi, concretamente, o nosso tempo, durante as férias parece que estamos mais livres para pensarmos em todas as versões de quem fomos, e de quem viremos a ser.
A mudança vem sem que consigamos dar por ela de forma ativa, sorrateira como um ladrão no meio da noite, sendo descoberta quando já se materializou de forma concreta e definitiva. Queremos invertê-la, lutar contra ela, voltar a quem fomos antes de sofrermos a sua emboscada. “Onde está quem fui? Para onde levaram a versão de mim de que tenho saudades? Devolvam-ma!”, diz a nossa indignação quando comparamos quem somos hoje com as versões antigas de que gostávamos mais.
Esquecemo-nos, no entanto, de como a mudança é natural, e essencial, à vida. Sem ela, não experienciaríamos novos pratos gastronómicos, novas relações, novas paixões, novos passatempos …. Seríamos criaturas estanques, intocadas pelo mundo e pelo outro, máquinas pré-programadas e sem atualizações de sistema. É na mudança que se dá o crescimento, que vivemos, verdadeiramente, o mundo que nos rodeia. Se as nossas versões anteriores parecem ser melhores? Talvez sim, talvez sejam versões que não sofreram traições, desgostos, desilusões, …, mas são, também, versões que não arriscaram, que não viveram tanto quanto estas versões atualizadas de quem somos.
Temos saudade do que foi, do que aconteceu, do que fomos, porque teve valor, porque teve significado, porque vivemos. Então, porque queremos lá voltar, quase sem percebermos que seria eliminar tudo o que vivemos que nos torna quem somos? Porque não podemos aceitar estas novas versões, com todas as cicatrizes, marcas de guerra, e experiências que fazem de nós quem somos hoje? O tempo passa, e, com ele, a vida muda-nos, nem sempre para uma versão que consideramos melhor, mas porque nos ensinamos que essa mudança não pode ser aceite, que é má? Onde fica o louvor de ter vivido, e sobrevivido, a tudo o que a vida tem para nos dar? Onde fica o amor e a aceitação pelo corpo e pela mente que nos ajudaram a atravessar o mar de intempéries que é a vida neste planeta?
Somos uma parte da roda-viva que é este universo, afetados pelo que acontece a quilómetros de distância da terra que pisamos, permeáveis à mudança. Não voltamos a ser quem somos, e que triste é esse facto… mas que bom é saber que, se a mudança nos trouxe aqui, a este ponto em que estamos hoje, também nos pode levar ao ponto a que queremos chegar, à versão de nós que queremos ser.
Somos permeáveis à mudança. Não fiquemos por aqui. Conheçamos as versões de nós que ainda estão por vir e quiçá nos apaixonemos por elas com maior força do que pelas que ficaram para trás!