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Só porque não se vê não quer dizer que não esteja lá. As doenças invisíveis são um desafio para a compreensão. Para a compreensão do próprio, porque nem sempre estas doenças invisíveis estão presentes em si ou porque nem sempre há a validação de um grupo, quando só o mesmo as pode sentir. Quanto mais para a compreensão de outros que nada veem, nada sentem. Nada investigam num exame científico.

Pode ser difícil acreditarmos no que não vemos.

Penso que ainda temos um longo caminho a percorrer nesta coisa chamada humanidade. Ainda temos muita “animalidade” dentro de nós, que nos faz centrar muito nos nossos instintos e pouco no que o outro precisa de nós. Por vezes, a fronteira torna-se opaca e a incompreensão vem ao de cima. Somos bárbaros sem essa consciência, quando não relativizamos ou não perspetivamos.

Para além do posicionamento arelacional, temos duas formas de sentir o outro. Uma é através do espelhamento, outra é por empatia. O espelhamento é mais primário. Vamos sentir em nós o que o outro está a sentir. Já a empatia vem mais tarde, será uma evolução do espelhamento, e tem a ver com a compreensão do que o outro pode estar a sentir, mesmo que esse não seja o nosso sentimento.

Só podemos “ver” além-fronteira se nos apropriarmos de um destes recursos. De modo contrário, na ausência destas evoluções, ou na cegueira capitalista, ou na estimulação compensatória instantânea, estaremos, sem sabermos, a sangrar dor em alguém.   

Fazer uma terapia psicodinâmica ou de linha psicanalítica é muito mais do que ir a uma consulta médica. Em sessão é frequente ouvirmos “não sei o que fazer ou o que dizer”, pois, compreensivamente, a grande maioria das consultas de outros âmbitos é de caracter direcionado. O paciente é passivo e é-lhe dito o que fazer ou o que tomar. Esse modelo é praticamente transversal a todas as áreas. Já desde tempos idos se vai ao confessionário e o padre diz-lhe quantas rezas tem de fazer. A própria psicologia clínica tem uma vertente, a cognitivo-comportamental, em que o setting tem a direcção do terapeuta, oferecendo este instruções ao paciente de como ser.

A terapia psicodinâmica ou psicanalítica vem quebrar esse modelo, em que o cliente terá uma voz activa sobre si-mesmo, sendo o terapeuta “co-piloto” dessa relação. Não vemos o empréstimo de soluções pessoais como via de cura, mas sim, a ajuda no desbloqueio de conflitos internos que impedem essa voz indentitária de expressão.

É a construção de uma nova relação primária. Representa uma segunda oportunidade de irmos até os nossos alicerces e aí posicionar novos fundamentos.

Na verdade, há sempre lá algo. Algo que não vemos e, por vezes, não sentimos. Mas há sempre um mar de algos, que embora de difícil digestão, é um alivio feliz fazer-se esse trabalho.

Quando existe uma conexão com o oceano do próprio, a opacidade do outro é dissipada.

Há quem opte por viver na cegueira, com a ideia de que é mais fácil não pensar. Ouvimos tantas vezes estas frases. Mas a balança tem sempre dois pratos. E o que pesa de mais fácil para um, pesa de maior dor para o outro. Não podemos viver essa ignorância antiga. Não é justo. Temos de ser mais do que isso.

Mesmo para aquele que procura ver, a cegueira vem de bandeja. Ela está em cada esquina, é grátis e tem um efeito anestésico. Fica difícil não a bebermos e nos embebedarmos com ela. Fica difícil ficarmos sóbrios, com consciência do que faz sentido, na nossa unidade, na nossa individualidade, na nossa solidão e efemeridade, quando este colectivo de identidade transversal parece dar este calor de pertença. Parece…

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