A relação e a sua forma

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Se tudo correr perto do bem, vamos procurar ligação no outro.
Crescer é uma grande aventura. Do prisma da nossa adultez, podemo-nos não nos dar conta, contudo o entendimento de um mundo de gigantes por parte de uma virgem mente é um desafio altamente exigente e assustador. O espectro da suavidade, ou não, desse caminho irá permitir ao pequeno Ser permanecer ou desviar-se desse percurso de crescimento, com maior ou menor grau.

Se tudo correr perto do bem, a relação de vinculação ganha à prática da defesa e a pessoa vai conseguir amar.
Todos precisamos do outro. Nascemos literalmente ligados e temos de aprender a nos separarmos, até morrermos sós.

Todas as nuances inerentes ao desenvolvimento infantil vão levar a que a dinâmica da procura do outro se apresente de várias formas, apoiando-se estas na grande capacidade criativa da mente humana e nos veículos, à disposição, para ligação ao outro.

Como já tive oportunidade de escrever anteriormente toda a pulsionalidade serve a relação. Pode parecer estranho como também a pulsão agressiva está, originalmente, ao serviço da relação.
 Teremos de a entender, assim como precisamos de compreender como o sonho pode ser a realização de desejo segundo Freud.
Se a natureza dos sonhos é preenchida de conteúdos violentos, como isso pode ser a realização de desejo? Em sim, a possibilidade da expressão do id é a realização de desejo.
Contendo o id a pulsão de agressividade e libídinal em estado puro, a existência de um lugar na psique para a vivência desta vida pulsional é imprescindível para a condição de vida de animais com raciocínio. É um um tempo de obrigação à pulsão. Um desejo/necessidade de libertar a expressão da pulsão libídinal e a pulsão agressiva.
Como referi, na sua origem, toda a pulsionalidade serve a relação. A pulsão agressiva não será mais do que um escudo para a preservação da relação libídinal, tornando-se uma espada quando a violência exterior não conseguir entender a boa agressividade de um bebé ou pequena criança.

Se pegarmos no exemplo da arte, como veiculo de chegar ao outro, esta joga com as duas pulsões na sua expressão. Existem muitos tipos de expressão artística. 
Talvez a música demonstre com maior simplicidade onde também quero chegar. Existem musicas de amor e outras de ódio ou ainda outras de amor e ódio.
Um ódio de um amor quebrado. Mas estamos sempre a falar de relação. Para a realização dessa relação, nas artes, como em tantas outras áreas, essa expressão será veiculada através de uma relação indirecta. Existe a procura de um reconhecimento do valor artístico através de uma expressão que fica gravada numa tela, numa fita, num papel, num pedaço de gesso… à espera de ser recebido.
 É um pedido de relação, pela materialização de sentimentos pessoais, que ficam em espera de se ouvir, ver ou tocar, mas sempre sentir… e assim acabam por chegar até ao outro. É uma volta. Mas chegam lá.

Existem muito mais formas de ir buscar a compensação daquilo que se julga perdido na sua forma original. O que importa, humanamente, é chegar ao outro. Algo interessante de analisar é a sobreposição da pulsão agressiva quando a falência do vinculo amoro é promovida pelo outro. Neste caso a pulsão agressiva contrai a sua posição original. Não é mais o amor que chega ao outro, mas o ódio. Algo tem de chegar.
De certa forma este sempre chegar, mesmo que em aparente não vínculo, é vinculo. É o que chamamos em psicanálise de transferência negativa. De uma forma ou outra estamos sempre em relação.

Algo curioso de analisar, é adequação deste nosso fenómeno de sermos seres de dependência, com uma maior ou menor permanente angustia de vazio, e o avanço tecnológico. Neste caso, mudam-se os tempos, ficam as vontades… muda-se é a forma de concretizar essa vontade.
A tecnologia encurta distâncias e tudo fica mais rápido. Se essa aceleração se encontra disponível, também a compensação do vazio corre para uma resposta mais rápida. Outrora uma pintura, hoje um post. Num post podemos ter e ver as reações da nossa chegada simbolizada ao outro.
 Não somos nós que chegamos ao outro, mas uma representação de nós. E ao invés de ser fantasiada a apreciação do outro receptor, ali está ela, visível, objectiva, quantificável e concreta. Não fossem estas aplicações sociais um fenómeno de sucesso, por aparentemente despacharem o problema do vazio da humanidade. Mas de certa forma algo escoa pelo bueiro. Onde reside assim a fantasia? A fantasia de uma criação demorada. A fantasia de quem terá gostado da obra. A fantasia de quem se vai imaginar sobre o que sente na sua identificação com aquilo, que na verdade é o outro, do outro e agora seu também.

Precisamos do outro de uma forma mais primaria ou mais elaborada, de uma forma mais directa ou indirecta, para ama-lo ou odia-lo.

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