Já todos ouvimos falar do momento em que alguém conheceu o/a parceiro/a, dizendo que foi “amor à primeira vista”, ou que “era como se já o/a conhecesse há muito tempo”. Pode haver um lado idealizado ligado ao primeiro encontro, à reunião original e fundadora do casal. Este pode mesmo ser fantasiado desde cedo, sobretudo pelas mulheres, outrora meninas, que no seu imaginário inocente já projetaram uma imagem (ainda que incipiente) de como será esta pessoa.
Esta certeza de se ter encontrado “a pessoa certa” está envolta num mistério da ordem do destino e do sagrado, que povoa o nosso imaginário e se reflete em variadas produções artísticas. Ela vem, não raras vezes, imbuída da ideia de uma “completude” que virá com o/a parceiro/a, a “cara metade” que vem responder aos anseios pessoais de felicidade. A conhecida expressão “éramos nós contra o mundo”, tantas vezes ouvida por casais na fase de construção (ainda sem a presença de filhos) é exemplificativa desse estado. Muitas vezes, perante a falta de amor ou segurança sentidas no passado, a “cara metade” surge como a esperança de que alguém supra as necessidades que ficaram insatisfeitas. Só que como tal nunca é inteiramente possível, por vezes o mínimo sinal de desentendimento ou stress conduzem à desilusão e ao ressentimento. Até porque os momentos de crise no casal atualizam, no presente, feridas emocionais antigas que, revividas, desencadeiam um sentimento de angustiante repetição e desilusão. Não é de estranhar, por isso, que o nascimento dos filhos seja um dos grandes motivos que levam o casal ao afastamento, já que um conluio pré-existente no casal rapidamente é posto em causa pelo enorme esforço e necessidade conjunta de investimento na parentalidade (e desinvestimento, mesmo que temporário, no casal).
De facto, certas partes da pessoa tida como a “cara metade” geram sofrimento e são semelhantes às de alguém que já conhecemos. Na infância, as crianças tentam perceber como funcionam as relações adultas, e assim, tanto as meninas como os meninos passam por uma fase em que tentam cativar a atenção do progenitor do sexo oposto. O menino que se gaba à mãe de “ser mais forte que o pai”, já percebeu que nas relações adultas também haverá lugar a rivais, não só os reais, mas seguramente sempre no domínio da fantasia inconsciente. E que ele terá de ser capaz de se afirmar e perante eles. Esta fase não só é normativa, como saudável, originando as “meninas do papá” e os “meninos da mamã”. Quando bem resolvida, leva à curiosidade para encetar relações românticas a partir da adolescência.
Há casos em que a pessoa reconhece abertamente que o/a companheiro/a partilha traços muito idênticos ao progenitor do sexo oposto, mas podem ser apenas semelhanças subtis e frequentemente inconscientes. Quanto menos estas relações primárias estiverem bem resolvidas, mais provável é que o nosso inconsciente fomente a repetição dos aspetos problemáticos, reatualizando-os nas relações românticas, numa tentativa de os resolver. Todos os casais vivem problemas, e a perceção de como a história individual se embrenha na história do casal pode ser essencial para que nasça uma forma diferente e duradoura de satisfação para ambos, aceitando quem o outro é, e também os seus limites (e portanto, numa direção diferente da ideia de completude).