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Muitas pessoas tentam interpretar os sonhos, buscando explicações para a presença de um determinado animal, de situações que parecem bizarras ou para emoções que não parecem condizer com a experiência onírica. No entanto, o sonhar é uma experiência individual. Para compreender o que o sonho significa é preciso considerar as vivências do sonhador.
A interpretação dos sonhos levou à construção da teoria do aparelho psíquico. Foram os relatos de sonhos de pacientes que ajudaram Freud a estruturar o aparelho psíquico e a compreender o seu funcionamento. Freud (1900-1901) percebeu que o sonho é uma manifestação do material já vivenciado e que o seu conteúdo está relacionado tanto a experiências passadas como ao material recalcado. O material recalcado é aquele que “perdeu” a luta de forças entre o desejo e a censura.
Mas, o que é a censura? O sonho pode apresentar um desejo latente de modo disfarçado. Se o desejo precisa ser disfarçado, isso significa que deve haver algo na mente se defendendo contra tal desejo, trabalhando para impedi-lo de entrar no conteúdo manifesto. Freud chamou essas proibições, essa luta por afastar um desejo da consciência de censura.
E o que é o desejo? O desejo pode ser compreendido como o resultado da proibição. Freud percebeu que os sonhos são realizações de desejos, onde problemas não resolvidos e preocupações surgem nos sonhos, encobertos por restos diurnos (vestígios de memória deixados pelas situações e emoções do estado de vigília), como forma de explorá-los.
Não se distanciando muito das ideias freudianas, outras teorias (Nielsen & Lara-Carrasco, 2007; Revonsuo, 2000; Revonsuo et al., 2015) consideram o sonho uma simulação da vida de vigília, onde sobretudo as memórias de situações desafiadoras ou ameaçadoras são processadas. O sonho permite ao sonhador enfrentar suas ameaças, encenar relações interpessoais, e o expõe a experiências emocionalmente negativas. Ao permitir que isso ocorra num ambiente seguro (no sonho), o indivíduo pode desenvolver habilidades e estratégias para enfrentar os seus desafios.
Na terapia, os pacientes costumam apresentar os sonhos marcantes, aqueles sonhos que os deixaram intrigados. Entretanto, os demais sonhos não devem ser desvalorizados. O sonho pode nos revelar o mundo interno do paciente. A interpretação de um sonho, na psicoterapia, é feita em conjunto com o paciente. É importante que o paciente consiga analisar a sua experiência onírica, refletindo sobre os possíveis significados. Cabe ao terapeuta acompanhar o paciente nesse caminho, o ajudando a identificar emoções e conflitos que possam estar por trás do sonho – dessa tentativa de processar eventos, pensamentos e afetos evitados. A análise dos sonhos pode contribuir para a transformação do paciente, assim como pode refletir a sua evolução ao longo do processo terapêutico. Como disse Freud (1900, p. 608):
“A interpretação dos sonhos é o caminho real que leva ao conhecimento das atividades inconscientes da mente”.
Referências:
Freud, S. (1900-1901). The Interpretation of Dreams; And, On Dreams (Standard Edition, Vol. IV and V.). Hogarth Press, 1978.
Nielsen, T., & Lara-Carrasco, J. (2007). Nightmares, dreaming, and emotion regulation: A review. In D. Barrett & P. McNamara (Eds.), The new science of dreaming: Vol. 2. Content, recall, and personality correlates (pp. 253–284). Praeger Publishers/ Greenwood Publishing Group.
Revonsuo, A., Tuominen, J., & Valli, K. (2015). The Avatars in the Machine: Dreaming as a Simulation of Social Reality. Open MIND, 32(T), 1-28. https://doi.org/10.15502/9783958570375
Revonsuo, A. (2000). The reinterpretation of dreams: An evolutionary hypothesis of the function of dreaming. Behav Brain Sci., 23(6), 877-901. https://doi.org/10.1017/s0140525x00004015