O Avesso do Nosso Sentir

Tudo o que habita em nós é o avesso do nosso sentir.

Residem em nós todas as mágoas que fomos somando e tudo aquilo que nos acrescentou, da mesma forma que guardamos, nesse avesso, as lágrimas que não choramos – por vergonha, por medo ou por não nos permitirmos estar tristes -, e também os sorrisos dos dias em que o coração bateu mais depressa. Residem, dentro de nós, os dias felizes e aqueles que preferíamos nem lembrar e, por isso, os guardamos estrategicamente em algum lugar muito escondido, na esperança de não os voltar a lembrar.
E de repente, esbarramos com algum destes velhos conhecidos, adormecidos no mais profundo de nós – principalmente aqueles que doem – e percebemos que, quanto mais fugimos do nosso sentir, mais nos distanciamos da verdade daquilo que somos, e mais difícil é encontrar verdade no que sentimos.
Na correria dos dias, em mecanismos de defesa que nos permitem suportar aquilo que dói, corremos contra aquilo que sentimos. E quanto mais rápido fugimos, mais longe ficamos daquilo que fica, amiúde, adormecido neles.
E vamos caminhando assim, ao longo da vida, umas vezes a correr, outras vezes parados no mesmo lugar a ver o tempo a passar, e outras tantas a dar passos atrás. Por vezes, nem sabemos muito bem para onde ir, que rumo encontrar, que caminho escolher. Nesse percurso, vamos procurando nos outros as respostas que apenas existem dentro de nós, ficando cada vez mais longe do lugar onde as podemos encontrar: o avesso daquilo que somos. Cobramos responsabilidades, culpas e méritos na ação do outro, esquecendo, com frequência, que tudo isto surge na sequência daquilo que lhes permitimos. Procuramos uma casa em algum lugar dentro do outro, sem encontrarmos a casa que devíamos habitar em nós. E de casa em casa, ficamos desalojados no sentir e na verdade do que merecemos, a encontrar abrigos temporários, quando a morada definitiva esteve sempre mais perto do que pensamos: no avesso do nosso sentir.
Às vezes, numa fração de segundos e num rasgo de coragem que mascaramos, outrora, de medo ou evitamento, acabamos por perceber que a viagem da vida só faz sentido se for vivida e entendida de dentro para fora. E quando percebemos isso… Percebemos tudo. E é só o início.

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