Morrer para Viver, Um Olhar Sobre a Fantasia de Suicídio

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Everyone can master a grief but he that has it.”
(Shakespeare, W., Much Ado About Nothing, Act III, Scene II, Line 27)

O suicídio é a principal causa de morte em Portugal entre jovens adultos e crianças. Disputa constantemente o pódio das causas de mortalidade na adolescência e na idade adulta, transversalmente em todo o mundo ocidental.

A ideação suicida é um tema tão comum entre os pacientes de consultas de psicologia e psiquiatria que, fossemos nós alimentados a Watts, com Memória RAM em vez de empatia, poderíamos rapidamente supor que as fantasias sobre a própria morte e a força interna destes episódios, são estádio de desenvolvimento humano normal e expectável.

O suicídio é o maior estrondo silencioso possível. O maior ataque, a maior defesa e o maior grito.

O tópico cai com um baque que tudo silencia. Não há palavras, não há gestos. Não há nada que possamos fazer. E essa é uma das maiores conquistas desta fantasia. Uma fantasia com repercussões mais vastas que a violência e a sexualidade. De poder que congela os poderes antes concentrados somente no outro.

Se a linha de pensamento de um suicidário é expressão de profunda falta, de uma pobreza atónita, é-o também de um indelével saber absolutista. Ele não tem, não merece. Mas tal como um monarca escolhido por deus, somente a certeza, a absoluta razão, não lhe pode ser retirada. Nada melhorará. A existência é e será sempre somente um longo e penoso arrastar do que é agora sentido. Reviver as falhas do passado é desesperante e o futuro, como espaço potencial, simplesmente não existe.

E assistimos assim surgir novamente uma espécie de super-poder. Ao poder que anteriormente vimos, de ser escutado sem ser refutado, acresce o de poder estar seguro. Seguro que algo nunca lhe será retirado… nem que seja o poder sobre a própria vida.

Na infância existe uma agressividade primitiva, que é mais tarde acordada na adolescência. O outro (mãe, pai,…) ora é demasiado frágil e precisa ser protegido, ou é demasiado forte e nunca se vergará. Esta agressividade vira-se então para o único destino onde se pode expressar: dentro do próprio mundo interno do jovem.

No princípio era o verbo, mas antes veio quem o pudesse ouvir. No suicídio esconde-se aquele que introjetou a pesada mão do mundo real. A mão que empurra, pressiona, apressa e, aplaude, ocasionalmente, mas sempre com um “não fizeste mais do que a tua obrigação”. A mão concentrada em fazer. A mão que não consegue escutar ou acolher, apenas agir.

Empinemos então a orelhas, aguentemos o coração e acreditemos que falar em morte não é morrer, mas sim uma expressão ardente de viver. Colhamos os pedaços deixados por quem amamos, mesmo que não saibamos o que fazer com eles. Paremos de banalizar a depressão, de nos escondermos da tristeza. Choremos com. Não deixemos ninguém chorar sem.

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